IMAGENS DO INCONSCIENTE: PINTURA E ESQUIZOFRENIA


Emygdio de Barros e Fernando Diniz

Em 1944 a Dra Nise da Silveira inicia um trabalho revolucionário dentro do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro. Ela lutava contra as técnicas que considerava agressivas aos pacientes. Era contra os eletrochoques, lobotomias e outros métodos adotados nas enfermarias. Em 1946 funda a Seção de Terapêutica Ocupacional e cria ateliês de pintura e modelagem com objetivo de dar aos internos uma melhor qualidade de vida através da expressão simbólica e da criatividade.

A produção desses ateliês foi uma surpreendente revelação de talentos. Daí nasceu a idéia de organizar um Museu que reunisse as obras criadas nesses setores de atividade, a fim de oferecer ao pesquisador, condições para o estudo de imagens e símbolos e para o acompanhamento da evolução de casos clínicos através da produção plástica espontânea.

E como sempre, de um grande grupo, logo alguns se destacaram. No livro Museu de Imagens do Inconsciente, os trabalhos de sete internos são analisados por críticos de arte como Mario Pedrosa, Ferreira Gullar, José Lins do Rego entre outros. Cada um com sua particularidade e linguagem. Vale conferir. Porém, aqui reservo espaço para os três, que por qualidade e quantidade de obras bem poderiam estar ao lado de Matisse, Bonnard ou Picasso em todos os museus do mundo, não fosse o fato de serem mestres geniais e anônimos do centro psíquiátrico do Engenho de Dentro.


Raphael Domingues O desenhista de linhas puras


Desenhos de Rapahel Domingues


Nasceu em julho de 1913, no estado de São Paulo, sendo o primogênito de quatro irmãos. Pai de nacionalidade espanhola dedicava-se a construção de monumentos fúnebres. Sua mãe descreve-o como um menino tímido, sensível, retraído.


Quando o pai abandonou a família, Raphael, para ajudar no sustento dos irmãos mais novos, foi trabalhar como ajudante na fabricação de gaiolas para pássaros. Aos 13 anos ingressou no Liceu Literário Português, onde estudou desenho acadêmico. Trabalhou como desenhista em escritórios particulares, chegando a ganhar um prêmio em concurso da Standard Oil Company.

Aos 19 anos de idade foi internado no hospital psiquiátrico da Praia Vermelha. E logo foi para o atelier pintar e desenhar. Ah., que desenho! que harmonia de linhas que vão e vem  num balanço ritmado feito uma melodia.Sim, é isso, musica é uma só linha do inicio ao fim, com delicados arabescos, e soluções de mestre. Como disse Ferreira Gullar “Um mestre sem diploma, sem teoria, ele brinca com as linhas,brinca com a imitação do real: imita-o brincando, exibindo seu virtuosismo que dispensa segui-lo passo a passo, desestabiliza nosso hábito de ver e nos dá a beleza outra que só o desenho nos pode dar".E como não se emocionar ao ver desenhos tão belos tão livres, tão soltos tão gestuais num vai e vem de equilíbrio, forma, força e delicadeza que deslizam sobre o papel. Os desenhos de Raphael nos remete aos de Picasso feitos com uma só linha.
Desenhos de Rapahel Domingues

 Desenhos de Picasso em uma só linha


Fernando Diniz o pintor das cores vibrantes e narrativas sonhadas 

             Fernando Diniz                              Henri Matisse

Nasceu em Aratu, Bahia, em 1918. Mulato, pobre, nunca conheceu o pai. Em 1949 vai para o Centro Psiquiátrico Pedro II onde começa a freqüentar a Seção de Terapêutica Ocupacional.
Aos 4 anos de idade veio para o Rio de Janeiro com sua mãe que era excelente costureira. Morando em promíscuos casarões de cômodos, costumava acompanhá-la quando ia trabalhar em casas de famílias ricas e abastadas.
Estudou até o 1 cientifico e sempre foi o primeiro aluno da classe, mas abandonou os estudos. Seu sonho era ser engenheiro e casar com a bela Violeta. De certa forma nunca abandonou seu sonho, mas o fez de outra forma.

Pinturas, pinturas e mais pinturas. Quantidade: milhares. Soberbas metáforas plásticas. Plasmou em papéis e telas sua "história" rica em imagens, cores e formas, feita de lembranças do tempo que morava com sua mãe na casa dos pais de Violeta, a menina-moça-mulher, fonte inesgotável de inspiração. Este sonho o manteve vivo e produtivo e com um vigor criativo próprio dos grandes mestres.
Obras de Fernando Diniz


Emygdio de Barros o pintor de imagens "fosforescentes" e a experiência de criar

Obras de Emygdio de Barros


Natural do Estado do Rio de Janeiro, Emygdio foi uma criança triste e tímida, revelando desde a infância, habilidade manual fora do comum. Na escola primária e no curso secundário foi sempre o primeiro da classe. Fez o curso técnico de torneiro mecânico e ingressou no Arsenal de Marinha. Destacando-se pela qualidade do seu trabalho, foi designado para fazer um curso de aperfeiçoamento na França, onde permaneceu durante dois anos. Logo após a sua volta ao Brasil (1924) manifestaram-se alterações no seu comportamento: deixou de freqüentar o emprego, passando a andar pelas ruas, sem destino, até tarde da noite, ou a entrar nas igrejas, onde ficava horas inteiras de pé, imóvel, olhos fixos. Foi então internado no velho hospital da Praia.
Emygdio ignora princípios formais, teorias e escolas, é "moderno" sem o pretender. Também sem o pretender, realiza a suprema aspiração da arte: a liberdade de expressão.

Mesmo olhando ao natural ele não copia a realidade estanque, vai além na sua complexa criação se permitindo usar outros elementos imaginários, com prodigiosa capacidade para o uso das formas, cores e belos matizes.
Para Ferreira Gullar "Emygdio de Barros é um dos raros gênios da pintura brasileira... um gênio é uma solidão fulgurante. Ultrapassa as medidas e as categorias."


               Emygdio de Barros                   Pierre Bonnard

E aí me pergunto: A sanidade em demasia não esvazia o pintor?


Fonte das biografias: http://www.museuimagensdoinconsciente.org.br
Fonte das imagens: PEDROSA, M. Museus: museu de imagens do inconsciente. Rio de Janeiro, FUNARTE – Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1980. (Col. Museus Brasileiros).