Atelier Lou Borghetti - Porto Alegre/RS

"O meu lugar no mundo..."

BORGHETTI E O MAR DE TODOS OS NAUFRÁGIOS
                                                                 Lya Luft

Não se vai ao ateliê de Lou Borghetti como para uma visitinha social: ninguém entra impunemente em contato com a arte. Eu, quando ali, tenho vontade de ficar num canto sendo um bicho, um móvel, um objeto, à espreita. Naquele jogo de luz e sombras, cheiros, cores e formas, a desordem aparente confere ao detalhe um profundo sentido. É uma atmosfera dramática, a um tempo sensual e solene. E sempre a música – quase toda vez em que entro, ela escuta ópera. (Callas? Esqueci de perguntar, mas isso é Borghetti.)
Caixas com tampo de vidro espalhadas nas grandes mesas e no chão. De saída me prende uma, com um pequeno rosto em gesso branco (eu acho), misto de máscara mortuária e máscara veneziana. Que vida se congelou naquela caixa? Em todas elas, grandes ou pequenas, preservam-se amor e dor, sonho e morte. O perverso e o delicado, algo oculto que chama: Vem, vem...
A arte de Lou se faz com delírio e tenacidade, ímpeto e requinte. Um retrato de moça antiga, um bilhete escrito em uma velha máquina de escrever. Sedas amarelecidas que ainda farfalham numa dolorosa sensualidade. Mãos da Monalisa, um coração de metal, e algo que de início não identifico: um preservativo. Um ninho de pássaro, plumas brancas: penso em maternidade e acolhimento, mas no fundo vejo sangue de parto ou de ternura assassinada. Pedaços de poemas. Frases escritas em círculo na letra da artista: mandalas. Da letra, da seda, dos arames finos e das palavras – até do símbolo infinito de um mata-insetos -, arqueia-se uma elaborada construção feita de materiais e a eloqüência do silenciado. Desde tempos perdidos, tudo espera ser visto e elaborado, para voltar à vida através da arte.
Aí me viro, e meu coração desfalece: espumas precipitam-se sobre pedras em uma tela grande. Ouço o rumor das ondas, sinto maresia em minha boca. Involuntariamente exclamo: Mas esse é O MAR DE TODOS OS NAUFRÁGIOS!
Pelas mãos da artista se transfiguram os remanescentes de um naufrágio pessoal ou coletivo, consciente ou inconsciente. O que está nessas caixas e telas são destroços de tantas vidas, todas as vidas – a nossa vida. Seda, letra, seio, fios de metal, um olho e mais adiante o ninho com sangue: essa vigorosa humanidade primitiva nos define. O trabalho de Borghetti é uma celebração daquilo que apesar de tudo persiste e é belo, que se desmonta e se recupera incessantemente, como nas transformações da natureza. É uma trama lúcida e onírica onde rótulos e explicações se tornam supérfluos. Pois Lou é também meio bruxa, disso nunca duvidei.
Um pouco de mim permanece naquele ateliê muito depois de eu ter saído: essa obra nos mostra humanos e transcendentes, perdidos mas recuperados, e sempre inconclusos. Como a vida, a arte nunca está terminada.
Publicado no jornal Zero Hora do Dia 19/04/2003









[...] O espaço de trabalho constitui para todos o catalisador de idéias, a oficina de novos desafios. Para grandes obras que envolvem equipes ou para trabalhos às vezes solitários que pedem apenas uma janela, um vaso florido e o pulsar da cidade.[...]
                                                    Leila Kiyomura e Bruno Giovannetti




Clique para ouvir: Maria Callas - Puccini, Un bel vedremo (Madame Butterfly)

7 comentários:

  1. NOSSA QUE ATELIE LINDO! ADORO ISSO!
    TAMBÉM VIM PEDIR SEU VOTO NUM CONCURSO NO QUAL SOU FINALISTA COM UMA FOTO DO MEU JARDIM LA NO BLOG DA FATIMA, É SÓ ESCOLHER MEU NOME - FLAVIA - E VOTAR , O LINK É
    http://fadinhadaarte.blogspot.com/
    BEIJOCAS E UMA ÓTIMA NOITE...

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  2. Olá Lou Borghetti,
    Essas lindas palavras de Lya Luft, essas imagens e a música, todos esses elementos fazem sentir um grande desejo de conhecer o teu espaço de trabalho. Parabéns por esta postagem e também pelas suas obras, que são magníficas.
    Um abraço...

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  3. lindo o seu espaço..mito sedutor e parece inspirador também..parabéns..bj

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  4. Olá Lou,
    já comecei a visita!
    Lindo atelier e belíssimo texto da Lya Luft!

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  5. Desta vez Lya me manteve presa ao texto. Que bela leitura ela fez de você. Parece ter pegado um fio de seu cabelo e foi desmbrulhando, deslumbrada.
    Mas que ateliê arrumadinho, menina! Que luz! Lugar sagrado onde as ideias perambulam e guiam tua mão. Belo espaço.
    Bom final de semana. Abraço.

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  6. SÓ EM PASSAR POR AQUI JA ESTOU BEM,BELAS PALAVRAS E UM LINDO ATELIE ,ISTO É PURA ARTE!!!PARABÉNS


    ABRAÇOS

    JAQUELINE ROSA

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  7. Lou, tu "lugar en el mundo", tal como lo describes, es realmente maravilloso!

    gracias por abrirme las puertas de tan fascinante espacio; tenerte en mi casa es su honor.

    un abrazo fuerte.

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